Essa história que começa 1914. O Recife entrava no século XX
urbano e moderno. A capital estava se tornando uma
metrópole com feições de Europa. Bonde, casas com energia elétrica, saneamento
básico sendo implantado. Os bairros de Santo Antônio e
São José eram onde tudo acontecia. Na Boa Vista, vivia a classe média da cidade.
Nessa época, o inglês Charles Muller dava o ponta pé inicial no que
viria a se tornar uma paixão de milhões de brasileiros. Uma brincadeira com bola se
transformava em hábito entre os jovens de todas as regiões do país. E, no
Recife, não era diferente.
- Aquela juventude do bairro da Boa Vista começou a praticar um esporte
novo, que tinha chegado aqui com o século XX, que era o futebol, trazido pelos
ingleses. Começaram a surgir os primeiros clubes de futebol - explica o jornalista e historiador Leonardo Dantas.
Até então eram clubes fechados. Great Western, Western Telegraph,
Caxangá Golf Club e o British Country
Club. E começaram
a aparecer diversos outros clubes. Nesse embalo, um grupo de amigos que
já corria atrás da bola há
algum tempo, resolveu organizar a brincadeira. Eram garotos que
frequentavam o pátio de Santa Cruz e lá faziam suas reuniões. O encontro
histórico, em fevereiro de 1914, foi ali na vizinhança mesmo, em frente
à igreja de
Santa Cruz, no Bairro da Boa Vista. O propósito era criar um novo time
de futebol. Lá, na rua da Mangueira, número 5 - hoje rua Leão Coroado -
foi elaborada a ata de fundação do Santa
Cruz Futebol Clube.
E o Santa Cruz iniciou sua história
inovando e derrubando barreiras. Numa época em que jogador negro não era
aceito em time nenhum,
Teófilo Batista, o Lacraia, se destacava dentro e fora de campo.
- Lacraia era um mulato, de boa família, trabalhava no Banco do Brasil
e tinha 19 anos. Ele criou o escudo do Santa Cruz. O centro do escudo tem como
base uma âncora, o símbolo da esperança. E esse escudo de Lacraia
permanece até hoje. Ele também fazia versos, era gozador, devia ser o destaque.
O Caça-Rato do passado - conta Dirceu Paiva, historiador do clube.
Com
o Santa Cruz Futebol Clube, aquele jeito inglês de fazer
futebol começava a mudar de cara e iniciar a popularização da nova
modalidade esportiva no estado. Os jogos, antes apenas em clubes
fechados, eram realizados em campo
aberto, no bairro do Derby, onde funcionava a escola de medicina.- O Santa Cruz sempre teve a empatia popular. Eles não eram
ligados aos ingleses, nem ao comércio. Eram ligados à juventude e daí surgiu o
que a gente chama carinhosamente de “o nosso Santinha”. Foi o primeiro time a
receber negros. É um clube que congrega todas as
classes, todas as raças. Não é à toa que ele é tricolor, embora tenha começado
em preto e branco - diz Leonardo Dantas.
Quando foi criado, o Santa Cruz tinha apenas duas cores. Mas precisou
mudar, com a fundação da Liga Pernambucana de Futebol, em 1915. Não era
permitido que dois clubes usassem as mesmas cores. Como o Santa não era o único preto e branco, foi necessário se realizar
um sorteio e, assim, o alvinegro virou tricolor, acrescentando o vermelho.
No
papel, no escudo e na camisa estava tudo resolvido. Só faltava
um detalhe dentro de campo: A estreia. O acerto foi com o Rio Negro. No
campo
do Derby, um friozinho na barriga dos meninos. Era a hora do primeiro
jogo do
Santa Cruz. E os garotos fizeram bonito. Teve gol de todo jeito.O
ex-presidente Rodolfo Aguiar conta que o novo clube teve uma estreia
brilhante.
- Foi um jogo de sete a zero, sendo que um jogador fez cinco gols.
Só um jogador. No dia seguinte o Rio Negro pediu revanche e fez uma exigência. Esse jogador não
poderia participar do jogo. Os rapazes da época aceitaram a proposta e nós
voltamos a ganhar de nove a zero. E, por coincidência, um só jogador fez cinco
gols também.
Foi o início de uma história de muitas emoções,
que nesta segunda-feira completa cem anos com a mesma popularidade e uma
paixão ainda maior.
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